quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

HELIO CASTRONEVES, O QUERIDINHO DA AMÉRICA



O brasileiro Helio Castroneves é tricampeão das 500 Milhas de Indianápolis, a corrida de Indy mais disputada dos EUA, foi recebido pessoalmente por um papa e há dois anos chegou a ser preso pelo governo americano antes de ser inocentado do crime de evasão fiscal. Vencedor do “Dancing with the Stars”  (programa de TV americano que inspirou todos os outros similares do mundo, como o nacional “Dança dos Famosos”), retornou à edição do ano passado como jurado, depois que a coreografia “Quick Step”, executada pelo piloto, foi considerada uma das 10 melhores do DWTS.
No último mês de outubro, integrou o time de atletas que posaram nus para a tradicional revista “The Boddy Issue” (a “Edição do Corpo”, em livre tradução), do canal ESPN, e acompanhou mais uma morte polêmica nas pistas, a do colega Dan Wheldon. Dias depois, sua assessoria confirmou a renovação do contrato com a Penske na Indy para 2012, equipe que defenderá pelo 13º ano consecutivo e pela qual acumula recordes como o de poles na Indy.


A temporada também marcou a primeira experiência como pai, com o nascimento da filha Mikaella, e como escritor de língua portuguesa. “O Caminho da Vitória”, versão brasileira do original “Victory Road”, lançado em maio de 2010 nos EUA, chega dia 05 de dezembro a Ribeirão Preto, cidade onde vivem os pais e na qual o piloto paulista foi criado desde os dois anos de idade.
Publicada pela Editora Gaia, a autobiografia tem prefácio do chefão Roger Penske e foi assessorada pela escritora Marissa Matteo. Em entrevista à Revista LAICA, Castroneves, que também é conhecido como “Homem-Aranha” por subir nos alambrados para comemorar suas vitórias, falou sobre as lembranças da infância no interior, a vida de pai e de celebridade. Veterano da Penske, afirmou que não pensa em aposentadoria e lançou o desafio: ainda quer a taça da Indy e outra garrafinha de leite, daquelas que, por tradição, só os campeões tomam em Indianápolis.
 

LAICA - Você criou uma identidade muito forte com o público norte-americano. Como é sua relação com o público brasileiro? A Indy provocou uma aproximação ou ainda é difícil conquistar as atenções de torcedores e patrocinadores na terra do futebol?
CASTRONEVES - Eu estou muito satisfeito com o carinho que recebo do público brasileiro. É uma relação muito carinhosa, respeitosa e de quem realmente curte automobilismo. Obviamente que o fato de viver nos Estados Unidos e a maioria das corridas da IndyCar serem realizadas no país ajuda, em muito, na minha popularidade por lá. Mas, apesar da grande presença da Fórmula 1 no Brasil, a IndyCar também tem um público muito grande e isso só se reforça agora, com a volta da categoria para correr em São Paulo, no Circuito Anhembi. A questão do patrocínio sempre foi difícil, então, não é novidade. Hoje, claro, meus patrocinadores e do Team Penske são todos dos EUA, mas na São Paulo Indy 300 deste ano tive a grata satisfação de correr com as cores do Grupo Petrópolis, através das marcas Itaipava e TNT.

O seu pai, Helio, era dono de uma equipe de Stock Car. Como isso começou e de que forma fez você tomar gosto pelas corridas?
Realmente, posso dizer que automobilismo eu aprendi em casa. Meu pai sempre foi um apaixonado pelo assunto e, como empresário, por muito tempo teve uma equipe de Stock Car. Eu era garotinho e não tinha idade para entrar nos boxes dos autódromos, mas isso não era problema. Meu pai me colocava no porta-malas do carro, entrava nos autódromos e eu só saía quando já estávamos nos boxes. Fizemos isso várias vezes e eu acompanhava tudo o que acontecia. Quando fiz mais ou menos 11 anos, ganhei meu primeiro kart do Alfredo Guaraná Menezes, que foi um dos grandes pilotos brasileiros de todos os tempos e que corria para o meu pai. Comecei a treinar e a partir de 1987 passei a competir. Daí não parei mais.

Você foi convidado a posar para a “The Body Issue”, da ESPN, que fotografa atletas sem roupas para destacar as formas físicas. Como foi fazer um nu artístico? O que pensou quando disseram que o colocariam (apenas) com um balanço de pneu para as lentes do fotógrafo Klint Briney?
Para mim foi um susto quando recebi o convite. Essa coisa de tirar foto pelado não é comigo. Não sou modelo, sou piloto! Mas a ESPN Magazine faz um trabalho tão sensacional e tão profissional que
 

foi fácil aceitar e curti bastante. A equipe me deixou muito à vontade e além daquela que você menciona, do pneu, foram feitas várias outras. Foi muito divertido e o resultado foi muito bom, principalmente porque a edição foi composta por nomes fantásticos do esporte, o que me deixou muito honrado em participar.

A vitória em 2007 no 5º “Dancing with the Stars”,  do canal norte-americano ABC, aumentou ainda mais a sua popularidade. Você ainda pratica a dança ou deixou de vez esse tipo de pista?
Aquilo também foi outra coisa que me surpreendeu. Eu não sei dançar, não sou dançarino, quando muito nas festas de final de ano com os dois dedinhos para cima e vamos que vamos! Mas resolvi encarar o desafio e a única coisa que quis fazer foi não ser desclassificado na primeira semana. Então, treinei bastante com a minha parceria, a Julianne Hough, que é uma maravilhosa atriz, dançarina e cantora. Mas aí a coisa foi caminhando, fomos superando as etapas, os treinamentos foram se intensificando e, em certo momento, treinávamos mais de oito horas por dia. Até parecia que eu estava treinando para as Olimpíadas e não para um show de TV. Mas foi muito legal e minha popularidade aumentou muito nos Estados Unidos. Hoje existem os fãs do piloto e os fãs do dançarino. Mas foi o treinamento que me permitiu atingir aquele nível. Hoje, se eu tiver de repetir a dose, vou ter de aprender tudo novamente.   
 
Você passou  parte da sua vida em Ribeirão Preto e, ano passado, recebeu o título de cidadão ribeirão-pretano. Que memórias você tem da cidade? Quando  visita a família, o que gosta de fazer?
Ribeirão Preto é uma cidade maravilhosa, todas as minhas lembranças de infância e adolescência são de lá. De fato, eu nasci em São Paulo, já morei em São Paulo, na Europa e agora nos EUA. Mas não tem história, sou mesmo um cara de Ribeirão, do interior, sou um “pé vermelho,” como me chamavam quando comecei no kart. Receber o título de cidadão ribeirão-pretano foi uma honra muito grande e, tenha certeza, foi um dos momentos mais emocionantes que vivi. Infelizmente, eu não consigo ir a Ribeirão com a frequência que gostaria, mas quando vou, fico em casa – meu quarto está lá – e tento ao máximo rever os amigos e a família.

 

Ribeirão chegou a candidatar-se em 2009 para receber uma etapa da Fórmula Indy e, na época, contou com seu apoio. No entanto, por falta de tempo para realizar as obras específicas, a cidade perdeu o posto para São Paulo. Você ainda gostaria de correr pela Indy na cidade? Há infraestrutura no país fora das capitais para esse tipo de evento?
A prefeita Dárcy Vera fez um trabalho maravilhoso e faltou pouco para que a IndyCar acontecesse em Ribeirão. Veja que hoje já acontece a prova da Stock Car e, pelo que sei, tudo acontece da melhor maneira possível e é um evento importante para a cidade. São Paulo realiza uma prova maravilhosa e já há um contrato assinado que garante a IndyCar em São Paulo por muitos anos. Mas, sem dúvida, haveria sim a possibilidade de a prova acontecer em Ribeirão. Quem sabe se isso não possa ocorrer um dia, né?   

Além de participar de trabalhos assistenciais, você foi recebido pelo Papa João Paulo II em 2004 para uma audiência particular e, depois de ser inocentado em 2009 das acusações de fraude fiscal e evasão, passou a professar ainda mais a sua fé. O que você aprendeu nessa jornada?
O julgamento foi um momento difícil na minha vida. Não só na minha, mas também da minha família e dos amigos. Foi uma acusação injusta, sem cabimento e depois de muita luta pudemos provar na justiça dos EUA, minha irmã e eu, a nossa inocência. Fomos absolvidos de TODAS as acusações e isso prova que não havia necessidade daquela situação. Mas Deus coloca as dificuldades no nosso caminho para a gente superar e aprender com eles. Fomos criados num lar com grande vocação religiosa e nunca perdemos a fé na nossa inocência e na justiça dos homens, pois da justiça divina nunca duvidamos. O encontro com o Papa foi um momento tão mágico, tão emocionante, tão inesquecível que é difícil explicar em palavras. Ele já estava bem doente, mas foi de um carinho maravilhoso conosco. Foi um momento que minha família e eu nunca vamos esquecer.  

Além das noites de sono, o que mudou na sua vida após o nascimento da sua filha Mikaella? Ela já ganhou um kart?
Sabe que até nisso a Mikaella é um anjo!?! Ela dorme bem, é uma criança tranquila e está fazendo da minha vida e da Adriana algo muito especial. Nossas vidas mudaram para melhor, pois a Mikaella ilumina os nossos dias. Ao voltar para casa, depois de uma corrida, é algo gostoso demais e, sempre 

que possível, ela vai para as corridas. Como todo mundo, eu também tenho meus problemas, aqueles dias difíceis e muita coisa complicada para resolver. Mas quando chego em casa e encontro aqueles bracinhos em minha direção e aquele sorriso mágico, não há problema que resista. Realmente, é uma benção! Não, ela não ganhou um kart e talvez nem ganhe um. Ela vai fazer o que escolher, mas seria bom que ela fosse advogada. Por experiência própria, é bom ter um advogado na família (risos).
 
Você tem uma vida intensa, repleta de viagens, conquistas e carisma, o que por si só justificaria a publicação de uma biografia.  No entanto, ainda é muito jovem (são apenas 36 anos). Houve algo especial que motivou a escrever essa história neste momento? Pensa em escrever uma continuação daqui a alguns anos?
Primeiramente, quero convidar a lerem meu livro, cuja versão em português será lançada agora. Eu quis mostrar para as pessoas como valores como fé, família, coragem e honestidade são importantes. Sou uma pessoa abençoada porque vivo do esporte que sempre amei. Mas não foi fácil chegar até aqui e mostrar isso para essas pessoas pode servir, também, de apoio para as que estão encontrando dificuldades. Claro que falo muito de corrida, das vitórias, dos campeonatos, dos carros mas, principalmente, falo da luta para superar as dificuldades e como o apoio de uma família unida é importante. Sem dúvida, falo também da emoção de ser pai e conto detalhes sobre o julgamento. O livro foi lançado, em inglês, no mês de maio do ano passado e, agora, chegou a vez do público brasileiro. Estou muito animado com o lançamento. Quanto a lançar outro livro, não sei. Vamos deixar o tempo passar e pensar sobre isso mais para a frente.

Após um acidente que envolveu 15 carros na última corrida do GP de Las Vegas, a Indy perdeu o piloto britânico Dan Wheldon, de 33 anos. Não fica nenhum receio de voltar para as pistas?
A morte do Dan Wheldon foi um choque para todos nós. Foi horrível e coisas como essa não podem acontecer. Mas é verdade, também, que muito se faz continuamente pela segurança e esse avanço não para. Um acontecimento triste como esse com o Dan Wheldon certamente gerará uma investigação profunda e o resultado será a melhora da segurança em alguns pontos. Mas nada disso é justificativa para o que aconteceu.

Peço a Deus que ampare a família do Dan e que isso nunca mais volte a acontecer no nosso esporte. O automobilismo é vida, emoção, desafio, alegria. Não tem nada a ver com morte, tragédia. Essa comparação precisa desaparecer de uma vez por todas e a família da IndyCar fará tudo para que o Dan seja sempre lembrado.

Você já declarou que o fato de começar a correr mais tarde [em relação a idade atual de início em provas, que é de sete anos] deu liberdade para ter certeza de que a decisão pela carreira de piloto era inteiramente sua e não da sua família. Como foi isso?
Comecei a correr bem cedo. Desde pequeno frequentava as pistas e, depois de treinar bastante, comecei a correr com uns 12 anos. Atualmente, crianças bem novas, de sete ou oito anos, já poderem competir. Na minha época isso não existia, então, começar com 11 ou 12 anos, como eu fiz, era a maneira certa de começar na categoria Júnior. Mas você tem razão ao dizer que a escolha pela carreira foi minha. Meu pai me deu todas as condições materiais e me ensinou tudo o que tinha aprendido como dono de equipe, mas sempre ficou claro que a decisão era minha. Quando você é criança, tudo tem um jeitão de brincadeira e comigo não foi diferente. Mas quando deixou de ser brincadeira para virar coisa séria, profissão, aí tive de assumir essa responsabilidade sozinho. Com todo o apoio da minha família, sem dúvida, mas nessas horas não adianta alguém dizer para o piloto o que ele deve fazer. Se não for uma vontade própria, forte, vinda lá do fundo do coração, não adianta.

Hoje, como funciona a formação de um piloto e qual a sua opinião sobre ela. O que você indica para quem quer construir uma carreira como a sua?
A formação do piloto tem de começar cedo, nas categorias de base, com possibilidade de muito treinamento e experimentação. O piloto tem de correr porque gosta, não porque o pai quer ou coisa do gênero. Depois disso, tem de estar preparado para lutar muito, correr atrás de patrocínio, treinar o máximo que puder, cuidar do físico, da saúde, nada de se aventurar nos caminhos perigosos da vida, sempre contando com o apoio da família e disposto a superar as dificuldades, que infelizmente não são poucas.

Você é um atleta que treina forte, e pratica diversos esportes, da natação ao boxe, para manter o condicionamento. Também desenvolve um treinamento específico junto com essas atividades para melhorar o raciocínio e a concentração. Quantas horas por dia são dedicadas a esse trabalho? Em que momento você percebeu que isso poderia ser um diferencial no seu desempenho como piloto?
O automobilismo exige muito preparo físico e mensal. Então, desde cedo percebi que precisaria estar bem preparado fisicamente para poder encarar as exigências de uma corrida. E isso, não há mágica, você só consegue fazendo exercícios, praticando modalidades esportivas, alimentando-se de maneira correta e muito mais. Além disso, tem de se conscientizar de que não dá para ter tudo. Ou você fuma, beba, cai na balada e se esbalda na noite ou faz uma opção por uma vida mais regrada em nome de sua melhor condição para praticar o automobilismo. Essa é uma opção que o jovem tem de fazer. Eu, atualmente, tenho uma agenda agitada demais, mas faço atividade física todos os dias, independentemente de onde eu esteja. Não existe uma padrão de número de horas, mas mantenho a constância diariamente.

A sua coleção de carros conta com um Acura RL, um Oldmobile Bravada, um Corvette Special e um Camaro. Algum deles é mais especial? Por quê? Qual carro você ainda gostaria de ter?
Na verdade, eu não tenho propriamente uma coleção de carros. Quando o piloto vence em Indianápolis, leva de presente o Pace Car da corrida. Como eu ganhei por três vezes a Indy 500, ganhei o Bravada em 2001, o Corvette em 2002 e o Camaro em 2009. Mas eu nem costumo usar esses carros. Normalmente eles ficam nas lojas da Penske, em exposição. Hoje eu uso um carro grande, pois para transportar toda a bagagem da Mikaella, só mesmo um desses grande, de famílias.

Você detém uma série de recordes na sua categoria, entre elas a de vitórias largando da pole-position e de voltas na liderança. O que você ainda deseja ganhar que ainda não ganhou como piloto? Tem uma meta?
Eu acho que os recordes estão aí para serem batidos. Eu quero muito ser campeão da IndyCar, o que não aconteceu ainda. Fui vice-campeão duas vezes e esta temporada de 2011 não foi das melhores para a gente. Tenho esse objetivo de ser campeão. Mas quero também vencer a Indy 500 pela quarta vez, o que me colocaria ao lado dos ídolos eternos da categoria, que são A. J. Foyt, Rick Mears e Al Unser. E, claro, entro na pista sempre para vencer. A garra e a vontade de vencer são sempre as mesmas. Nem sempre isso é possível, mas a vontade, a motivação, estão sempre lá. Quero muito poder vencer no Brasil também, diante do público brasileiro. Seria demais!

Na sua opinião, qual corrida foi a mais marcante na sua carreira e por quê? E como fã de automobilismo, qual você elegeria como favorita?
Quando eu corria de kart, nem sabia que existia Indianápolis. Com o tempo, fui tomando conhecimento e aprendendo sobre os ovais. Tive a honra de vencer três vezes em Indianápolis e posso dizer que todas as minhas 25 vitórias na IndyCar foram especiais, mas vencer em Indianápolis tem uma magia, um sabor diferente. Então, como você me pede para escolher, escolho as vitórias na Indy 500 como as mais significativas. E, dentre essas, destaco a de 2009, pois ocorreu justamente após ser absolvido no tribunal. Foi inesquecível.

Quais os planos daqui para a frente? É do tipo que planeja a aposentadoria?
Eu pretendo correr por muitos anos ainda. Acho que meus desafios na Indy ainda não estão completos e me considero competitivo e rápido para continuar a buscar meus objetivos na categoria. Quando chegar o momento de deixar a IndyCar, pode ter certeza de que não representará a minha aposentadoria. Tem muito chão pela frente, mesmo fora da IndyCar.

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